Publicado em 09. Shows, Musicais, Performances, Hair, Off-Tap-RJ

Rio, RJ – Off-Tap – Crítica de Hair

Nova montagem de Hair é teatro musical de altíssima categoria
(Barbara Heliodora – O Globo)

Raras vezes o teatro tem se provado o grande documentário da História do Ocidente como no fascinante delírio tribal de “Hair”. Se o doloroso “A morte do caixeiro viajante”, de Arthur Miller, fazia a aguda crítica do culto do sucesso pessoal, de “ser popular”, “Hair” mostra a revolta da juventude contra essa mesma goal society, pomposa e preconceituosa.

A tudo o que já era o dia do juntou-se a Guerra do Vietnã, e o resultado foi o aparecimento desse musical diferente de tudo o mais, retrato vivo do repúdio aos valores simbólicos do que lhe parecia hipócrita, falso em forma e conteúdo. Cabelos compridos contra curtos, gritantes e fantasiosas roupas coloridas em lugar do respeitável terno cinza, liberdade sexual, paz e amor buscados pelas viagens das drogas, destruição dos cartões do serviço militar, tudo isso encontrado no propositado afastamento do caminho dito certo.

Pouco diálogo, clima onírico e muita música — que Galt Macdermot já compunha muito antes da criação das letras por Gerome Ragni e James Rado — fizeram com que o que começou em uma pequena sala offBroadway ganhasse não só a Broadway como o mundo, já que os anseios da tribo expressavam os de gente de toda parte, que adequava o musical a seus problemas locais. E o deslumbrante espetáculo em cartaz no Teatro Casa Grande é prova de que, 40 e tantos anos mais tarde, “Hair” continua válido como ideia e apaixonante como teatro.

Claudio Botelho traduziu, Charles Möeller dirigiu, e a dupla criou mais um trabalho tanto encantador quanto altamente profissional.

O cenário de Rogério Falcão (uma fábrica abandonada), os coloridos figurinos de Marcelo Pies, a direção musical de Marcelo Castro, a coreografia de Alonso Barros e a luz de Paulo César Medeiros parecem ser o mais alto ponto do trabalho de todos eles, que tanta coisa boa já fizeram, ajudados pelo visagismo de Dudu Meckelburg e pelo desenho de som de Marcelo Claret.

A impecável disciplina com que está organizada a fascinante indisciplina que é a essência de “Hair” mostra um universo de teatro que atingiu a maioridade, onde cantores e bailarinos vão sendo descobertos às dúzias, conscientes da necessidade de toda a precisão na criação da imagem da espontaneidade. O espaço não permite que do exemplar conjunto da tribo só possamos salientar Hugo Bonemer, Igor Rickli e Carol Puntel, mesmo que injustiçando seus outro vinte e sete componentes.

Desde a abertura, com a “Era de Aquarius”, até o final, com “Deixa o sol entrar”, “Hair” é um espetáculo lindo, apaixonante e de altíssima categoria.

Fonte: O Globo de 07.11.2010.